Quando o agente especial do FBI Adrian Hawkins telefonou para o Comitê Nacional Democrata em setembro de 2015 para transmitir notícias perturbadoras sobre sua rede de computadores, ele foi transferido, naturalmente, ao setor de atendimento.
Sua mensagem foi curta, mas alarmante. Pelo menos um sistema de computadores pertencente ao comitê tinha sido comprometido por hackers que investigadores federais chamam de “Dukes”, uma equipe de contraespionagem ligada ao governo russo.
O FBI sabia muito bem: tinha passado os últimos anos tentando afastar os Dukes do sistema de e-mails não sigilosos da Casa Branca, do Departamento de Estado e até do Estado-Maior, uma das redes mais protegidas do governo americano.
Yared Tamene, o funcionário terceirizado de apoio tecnológico do comitê democrata que atendeu ao telefonema não era especialista em ciberataques. Suas primeiras medidas foram verificar os “Dukes” no Google e realizar uma busca superficial do sistema de computadores do comitê democrata em busca de pistas de uma ciberinvasão. Segundo seu próprio relato, ele não examinou direito mesmo depois que Hawkins ligou diversas vezes ao longo de várias semanas –em parte porque ele não tinha certeza se a pessoa era um verdadeiro agente do FBI e não um impostor.
“Eu não tinha meios para distinguir o telefonema que eu recebi de um ‘trote'”, escreveu Tamene em um memorando interno, obtido pelo “The New York Times”, que explicou seu contato com o FBI.
Foi o primeiro sinal crítico de uma campanha de ciberespionagem e guerra de informações destinada a interferir na eleição presidencial de 2016, a primeira tentativa do gênero por um governo estrangeiro na história dos EUA. O que começou como uma operação de obtenção de informações, segundo autoridades da inteligência, afinal se transformou em um esforço para prejudicar uma candidata, Hillary Clinton, e inclinar a eleição para seu adversário, Donald Trump.
Assim como outro famoso escândalo eleitoral dos EUA, começou com uma invasão do comitê democrata. A primeira vez, 44 anos atrás, nos antigos escritórios do comitê nos edifícios Watergate, os invasores plantaram equipamentos de escuta e vasculharam um armário de arquivos. Desta vez o assalto foi conduzido de longe, dirigido pelo Kremlin, com e-mails falsos para obter informações e códigos de computador.
Um exame feito pelo “Times” da operação russa –com base em entrevistas com dezenas de atores visados no ataque, autoridades de inteligência que o investigaram e membros do governo Obama que avaliaram qual seria a melhor reação– revela uma série de sinais que não foram levados em conta e uma constante subestimativa da seriedade do ataque cibernético.
O encontro atrapalhado do comitê democrata com o FBI seria a melhor oportunidade de deter a invasão russa, mas se perdeu. O fracasso em entender o âmbito dos ataques minou os esforços para minimizar seu impacto. E a relutância da Casa Branca a reagir significou que os russos não tiveram de pagar um alto preço por seus atos, uma decisão que poderia ser crítica para evitar futuros ataques cibernéticos.
A abordagem discreta do FBI fez que os hackers russos vagassem livremente pela rede do comitê durante quase sete meses antes que autoridades graduadas do Partido Democrata fossem alertadas sobre o ataque e contratassem especialistas para proteger seu sistema. Enquanto isso, os hackers seguiram para alvos fora do comitê, incluindo o presidente da campanha de Hillary, John D. Podesta, cuja conta privada de e-mail foi invadida meses depois.
Até mesmo Podesta, uma figura importante de Washington que havia escrito em 2014 um relatório sobre privacidade no ciberespaço para o presidente Barack Obama, não compreendeu realmente a gravidade da invasão.
No último verão, os democratas viram com fúria impotente seus e-mails privados e documentos confidenciais aparecerem online dia após dia –obtidos por agentes da inteligência russa, postados no WikiLeaks e em outros sites, depois citados na mídia americana, incluindo o “Times”. Trump citou com júbilo durante sua campanha muitos dos e-mails saqueados.
Entre as consequências estão a renúncia da deputada Debbie Wasserman Schultz, da Flórida, da presidência do Comitê Nacional Democrata, e da maioria de seus principais assessores. Democratas importantes foram postos de lado no auge da campanha, silenciados por revelações de e-mails embaraçosos ou consumidos pelas dificuldades para reagir à invasão. Embora pouco notados pelo público, documentos confidenciais obtidos pelos hackers russos da organização irmã do comitê democrata, o Comitê de Campanha para o Congresso Democrata, apareceram em disputas legislativas em uma dúzia de Estados, manchando alguns deles com acusações de escândalo.
Nos últimos dias, um presidente-eleito cético, os órgãos de inteligência do país e os dois principais partidos se envolveram em uma extraordinária disputa pública sobre se há evidências de que o presidente russo, Vladimir Putin, passou da mera espionagem a tentar deliberadamente subverter a democracia americana e escolher o vencedor da eleição presidencial.
Muitos dos assessores mais próximos de Hillary Clinton acreditam que o ataque russo teve um impacto profundo na eleição, embora admitam que outros fatores –a fraqueza de Hillary como candidata; seu servidor de e-mails privado; as declarações públicas do diretor do FBI, James B. Comey, sobre sua manipulação de informação sigilosa– também foram importantes.
Embora não haja como ter certeza do impacto definitivo da invasão, isto está claro: uma arma de baixo custo e alto impacto que a Rússia havia testado em eleições da Ucrânia à Europa foi treinada nos EUA, com uma eficácia devastadora. Para a Rússia, com uma economia enfraquecida e um arsenal nuclear que não pode usar sem deflagrar uma guerra total, o poder cibernético se mostrou a arma perfeita: barata, difícil de perceber e de localizar.
Fonte: The New York Times