Opinião do Especialista

Brincando com a segurança

Publicado por Vinícius Cavalcante

Após o atentado a machadinha ocorrido no mês de abril em uma escola em Blumenau-SC, que deixou quatro crianças mortas e cinco feridas, uma onda de notícias sobre possíveis ataques a  escolas se espalhou pelo país. Ameaças e ataques com facas e armas de fogo há muito são uma realidade nas escolas brasileiras, embora, na maioria das vezes, eles só ganhem espaço na mídia quando aparecem vítimas, como em Blumenau.

No que se refere à segurança, nós, no Brasil, decididamente não somos acostumados a pensar de forma proativa. Nas mais diversas atividades, displicentemente, negligenciamos os pressupostos mais básicos de segurança física, controle de acessos, autoproteção, preservação de sigilo e, depois, quando o pior invariavelmente acontece, nós, posando de indignados, buscamos reagir com as medidas mais mirabolantes e cenográficas que pudermos pensar, tudo que dê a impressão pública de que estamos encetando os maiores esforços para que o fato — que na maioria das vezes bem poderia ter sido evitado — simplesmente não se repita!

Imediatamente após a tragédia de Santa Catarina surgiram, naturalmente, projetos de lei, ações de inteligência e grupos de trabalho para a prevenção deste tipo de tragédia. Brotaram sugestões para a colocação de equipamentos eletrônicos, câmeras de CFTV e guardas armados, além de denúncias quanto a organizações virtuais que tinham o intento de perpetrar mais atentados em outras escolas pelo país.

Um verdadeiro frisson de noticiários sobre riscos e violência, como se tudo fosse algo realmente novo ou cujo risco de ocorrência houvesse sido percebido apenas quando do último ataque. Basta a eclosão de um desses problemas para que inúmeros “especialistas” despontem como se estivessem descobrindo a pólvora! Existem escolas, em locais onde já há antigo histórico de atos de vandalismo e furtos em finais de semana e horários remotos, onde não há qualquer tipo de sensoriamento e alarme. Curiosamente, o monitoramento de alarmes das escolas, em sua grande maioria, não contempla equipamento de pânico silencioso, que permite avisar, em tempo real, sobre uma ocorrência que esteja acontecendo em determinado momento.

Um prefeito catarinense, realmente preocupado com as questões de segurança em seu município, prontamente mandou instalar pórticos detectores de metal para coibir a entrada de alunos e de pessoas estranhas com armas de fogo e lâminas nas escolas de sua cidade. A divulgação disso nas redes sociais foi suficiente para se apontar os detectores como a solução mágica para a segurança escolar frente a essas ameaças. Contudo, parece que teimamos em nos iludir. A maioria de nossas escolas mais críticas, onde o tráfico de drogas e as ocorrências violentas são uma dura realidade, não possui muros altos em toda sua extensão perimetral e, quando esses muros existem, há falhas de cercamento, buracos ou a simples inexistência em alguma parte do contorno. O autor se recorda de uma escola que possui muro na frente e nas laterais do terreno, mas cujo fundo é limitado por um matagal e um pequeno rio com águas pluviais e de esgoto, facilmente transponível. A verdade é que, em escolas assim, a adoção do equipamento de detecção de metais é um dispendioso desperdício!

Há escolas que não possuem circuito fechado de televisão e outras que, quando o têm, não o mantém monitorado (apenas servindo para guardar imagens para uma eventual apuração posterior de fatos) e seu equipamento de gravação permanece em local vulnerável, de fácil acesso, podendo ser sabotado ou mesmo subtraído por criminosos que queiram assegurar seu anonimato.

Claro que surgem questionamentos. Devemos adotar segurança armada na escola? Quantos seguranças seriam necessários? Como se pagará por isso? Escolas são, por definição, ambientes de acolhimento, concórdia e construção de saber e cidadania; entretanto, não podemos afastar a possibilidade da ocorrência de eventos extremamente violentos, até mesmo pelo fato de que a maioria das pessoas, incluindo pais e professores, por se crer a salvo de situações de perigo nesses locais, simplesmente relaxa e “abaixa a guarda”.

Ainda que adotando as medidas adequadas de segurança, qualquer escola pode vir a ser alvo de um criminoso, seja forçando sua entrada mediante uso de violência ou se infiltrando dissimuladamente no ambiente escolar. Em tais situações, os gestores, professores, funcionários administrativos, inspetores, porteiros, profissionais encarregados da segurança e até mesmo os alunos deveriam estar capacitados a enfrentar a situação de crise em seus diversos níveis.

Isso só teria sucesso a partir do estabelecimento de procedimentos que devem ser observados em situações de emergência com violência (tanto para funcionários quanto para os próprios alunos), como acionamento de alarmes, trancamento de portas de ambientes vulneráveis, atuação da segurança do estabelecimento (quando houver), acionamento de forças de segurança pública de pronta resposta, como polícia ou guarda municipal, etc.

Na verdade, precisaríamos analisar as necessidades de segurança de cada instalação, levando em conta onde a mesma está situada, histórico delitivo da área, histórico de ocorrências da escola, suas particularidades, vulnerabilidades, riscos de ocorrências adversas detectados, e assim propor medidas de segurança francamente objetivas, eventuais alterações de layout e adoção de equipamentos, bem como o estabelecimento de procedimentos para funcionários e alunos, os quais deverão ser normatizados, explicados em palestras e lembrados periodicamente. Trata-se, esse sim, de um trabalho sério, efetivo e que dá resultado.

Isso tudo sem deixar de analisar fatores importantes, como o avanço das drogas (e da violência intrinsecamente ligada a elas) e toda a carga de influência perniciosa que chega aos jovens pelas redes sociais. Aliás, quando esse artigo estava sendo finalizado, tomamos conhecimento que o Supremo Tribunal Federal estava votando a descriminalização da posse de maconha para alegado “consumo próprio”!

Mas, como já dissemos, quando é que nos dedicamos a essa questão de análise de riscos de segurança e da confecção de um planejamento particularizado, quer na segurança escolar, quer na segurança de outros próprios públicos? Quando foi que os órgãos de segurança de governos em nosso país, nas três esferas, alocaram uma parte de seu capital humano técnico para analisar as necessidades de segurança de seus sítios e proporcionar análises e planejamentos que viessem esclarecer os gestores dos referidos locais acerca das possibilidades de perigo que os ameacem e das providências que permitiriam a tais órgãos tentar desencorajar tais ocorrências, prevenindo-as ou permitindo enfrentá-las com alguma chance de sucesso.

Na segurança privada, é comum que empresas contratadas para a prestação de serviços de segurança elaborem documentos em que analisam a situação da segurança dos clientes, apontem fraquezas, façam sugestões e solicitem a alocação de recursos de proteção. No caso de instituições bancárias, a própria fiscalização da Polícia Federal exige a confecção de um Plano de segurança que é ou não aprovado pelo órgão do Ministério da Justiça. Na segurança de órgãos públicos, isso praticamente inexiste. Não há obrigatoriedade de nada. E, não sendo obrigatório, a maioria dos gestores prefere não se aborrecer com algo que pode ou não acontecer. Infelizmente, na observância de tais questões, “jogar com a sorte” já é uma metodologia antiga e consagrada na administração da segurança no Brasil.

É claro que os gestores também deveriam estar minimamente preocupados com sua segurança e a de suas áreas, mas, excetuando-se o que costumam dizer em seus discursos, na verdade nem sempre isso acontece. Na segurança de instalações dos palácios dos governos federais e estaduais, assim como em algumas sedes de prefeituras, ainda vemos a segurança física ser levada mais a sério, assim como em alguns tribunais e fóruns judiciários. Isso, contudo, é claramente a exceção, e não a regra! E ressalte-se que, mesmo nos locais onde há segurança aparentemente mais estruturada, ainda assim problemas acontecem, havendo mesmo casos recentes, intencionalmente provocados por pura vontade política.

Concito aos cidadãos para que observem a segurança das Prefeituras, Câmaras Legislativas e Setores Administrativos governamentais ou repartições públicas pelo Brasil afora e apreciem a vulnerabilidade da segurança nesses diversos locais. Observem o efetivo de segurança e vejam sua postura e qualificação. Será que esse efetivo humano recebeu algum tipo de treinamento específico para a desincumbência da missão de garantir segurança da instituição, das autoridades e de seus funcionários, ou ainda do que nelas é produzido ou guardado?

Muitas dessas instituições, inclusive, tiveram suas seguranças orgânicas (integradas por profissionais de segurança próprios, do quadro funcional) substituídas por seguranças privadas (que utilizam vigilantes ou agentes de segurança terceirizados). Sinceramente, não imaginamos que tais opções tenham se norteado pelo desejo de agregar real qualidade à proteção de tais instalações. Em diversas cidades, Guardas Municipais foram criadas, incialmente pensando na proteção de próprios públicos. Mas quantas dessas desenvolvem planejamentos normativos para atuar na proteção de cada local onde, ao menos teoricamente, terão de atuar na guarda do patrimônio?

Qualquer bom planejamento de segurança se alicerça numa análise dos riscos de segurança ou perigos que ameacem aquilo que se queira proteger. Muito dinheiro é gasto na segurança de próprios públicos, quer no pagamento de gratificações de chefia ou na contratação de seguranças terceirizados, sem que se disponha de algum tipo de estudo técnico que exemplifique as possibilidades de perigos a que se está sujeito, quantifique seus impactos no caso de ocorrerem tais perigos e estabeleça os procedimentos da segurança a se adotar em face de cada emergência. Quem quer que trabalhe nesse “mundo real”, onde lobbies e favorecimentos pessoais ou políticos preponderam sobre critérios técnicos de segurança sabe que, em nosso país, na maioria das vezes, a alocação dos profissionais nos postos de serviço não envolve qualquer estudo sobre a possibilidade e a probabilidade de ocorrências adversas, bem como qualquer tipo de estabelecimento de procedimentos e protocolos que norteiem tais profissionais em serviço. Isso sem falar que, em boa parte dos órgãos públicos, a segurança permanece subordinada a pessoas que não têm a menor experiência ou discernimento para apreciar o serviço prestado, fundamentando seus atos, como chefia, em seus “achismos”. Como a atividade de chefia da segurança envolve algum tipo de gratificação, dever-se-ia adotar algum critério técnico para selecionar aqueles que vão preencher tais lotações, mas isso quase nunca acontece.

Na maioria das vezes, tudo que precisávamos fazer para consertar tais situações é justamente aquilo que normalmente não se faz! Num fenômeno já bastante conhecido, quando algum criminoso, desequilibrado ou terrorista abre a sua caixa de maldades, todos os demais (e eles são muitíssimo numerosos) começam a buscar outras formas de aparecer na mídia, “fazer seu nome” e dar seus prejuízos. Há problemas que saltam aos olhos, mas que, na realidade, muitos decisores insistem em não ver!

Há coisas que, sem precisarmos ser “especialistas em segurança”, sempre soubemos que poderiam nos acometer, mas preferimos acreditar que não irão acontecer na “Terra do Deus Brasileiro”, na “Pátria do Evangelho” ou onde vigem as “Bençãos dos Orixás”. A questão é que, em geral, furtos, roubos, assassinatos e atentados espetaculares não costumam acontecer todo dia. Logo, enquanto não eclodem os crimes e a violência, literalmente se finge não ver as vulnerabilidades e se “empurra com a barriga” tudo o que deveria ser feito para minimizar a possibilidade das ocorrências adversas. Ressalte-se que, mesmo não se tratando de ocorrências corriqueiras, os impactos de certas ações podem ser tão altos que mais do que justificariam as medidas cautelares, as quais, na grande maioria das vezes, para serem implementadas, só demandam a visão e a boa vontade política dos gestores.

Já há algum tempo a segurança vem aparecendo em pesquisas como uma das maiores prioridades, principalmente entre os cidadãos brasileiros nos grandes centros. No Rio de Janeiro, então, segurança é cada vez mais vista como prioridade. Segurança é uma pré-condição necessária a qualquer tipo de atividade que venhamos a desempenhar. Precisamos de segurança em tudo que fazemos. Sabemos, porém, que com a segurança se vive o seguinte dilema: “quando vai bem, ninguém lembra que ela existe; quando algo vai mal, dizem que não existe; quando é para gastar, acham que não é preciso que exista; porém, quando ela realmente não existe — ou, sobretudo, quando acontece alguma situação adversa— todo mundo concorda que ela deveria ter sido levada mais a sério”.

Embora a segurança não se resuma apenas a um custo ou ao dispêndio de “um dinheiro sem volta”, o investimento em segurança, por aqui, costuma ser sempre menor do que o aplicado em outras atividades. É curioso que, quando indagamos publicamente a nossas autoridades políticas sobre a necessidade de especialização e de reforçar nossa segurança, todas são unânimes em afiançar a validade das mesmas atitudes e procedimentos que elas quase nunca se mostram capazes de defender, adotar e seguir de verdade, quando não estão na frente das câmeras ou sendo cobrados de alguma forma. Segurança deveria ser tratada como coisa mais séria; e isso não é favor nenhum!

Seria aconselhável começar a mudar essa cultura e a fazer os deveres de casa como realmente devem ser feitos. Isso seria mais eficaz, mais barato e muitíssimo mais honesto do que administrar a segurança com essa tradicional postura de “faz de conta”. Alguém já disse que aquilo que esperamos que aconteça pode realmente levar um tempo enorme e, contrariando nossas expectativas, jamais ocorrer. Por outro lado, aquilo que não esperamos, quando acontece, acaba se processando sempre de forma surpreendente e tremendamente constrangedora, colocando a nu toda a fragilidade de nossos esquemas de proteção, tudo aquilo que preferiríamos não ver ou mesmo esconder.

 Embora no Brasil, em geral, ainda estejamos muito atrás de outros países quanto à observância de medidas de segurança, a responsabilidade por tudo que ocorrer — principalmente o que acontecer de errado — sempre será daqueles que, por quaisquer justificativas, negligenciaram as boas práticas cautelares. E é na hora que o pior acontece que os escalões superiores se lançam obstinadamente na busca de “culpados”. A sociedade — que normalmente só atenta para as questões de segurança quando a violência da criminalidade lhe bate à porta — pode até se deixar surpreender pelo arrojo de criminosos, terroristas, ativistas políticos ou desequilibrados mentais; o ideal é que não nos incluamos no âmbito desse grupo!

Infelizmente, num país que não trata a segurança com técnica e seriedade, com leis frouxas e um Judiciário que permite a impunidade a todo tipo de bandidos, a situação tende a ficar cada vez mais adversa. Daí, não há o que estranhar que a velhinha que ficava rezando na frente do QG do Exército tenha passado mais tempo presa do que o reincidente criminoso, o qual, liberado, acabou assassinando as crianças na creche catarinense!

O autor é consultor em segurança e atua na análise de riscos, no planejamento e no treinamento de segurança em instituições públicas e privadas. É ex-Diretor Regional da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança – ABSEG e Presidente da Conselho Comunitário de Segurança de Nova Friburgo.

Sobre o autor

Vinícius Cavalcante

VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, CPP
Profissional de segurança desde 1985. Detém 25 cursos e estágios na área de segurança e inteligência, tendo participado de treinamentos na Colômbia e também na Grã-Bretanha. Atua como consultor em segurança nas áreas de planejamento e normatização, inteligência, segurança pessoal e treinamento. Foi um dos profissionais internacionalmente certificados pela American Society for Industrial Security (www.asisonline.org) no Brasil, sendo certificado em 2004.
Diretor regional da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (www.abseg.com.br) no Rio de Janeiro, há 26 anos integra a diretoria de segurança da câmara municipal do Rio de Janeiro como servidor público concursado. É membro do conselho de segurança da Associação Comercial do rio de Janeiro. Atua na segurança de pessoas de notável projeção bem como treinou efetivos de segurança pessoal de diversas instituições públicas e privadas. É instrutor convidado em cursos na PMERJ, ACADEPOL (RJ), SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E CENTRO REGIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PAZ, o desarmamento e o desenvolvimento social na América Latina e Caribe (UN-LIREC). É articulista em publicações especializadas em segurança do Brasil e do exterior, como o Jornal da Segurança, as revistas Proteger, Security, Segurança Privada, Revista Sesvesp, Segurança & Defesa, Tecnologia & Defesa no Brasil, bem como Seguridad Latina e Global Enforcement Review e Diálogo Américas, nos Estados Unidos, e International Fire and Security.
Possui artigos sobre segurança publicados nos jornais o Globo e Monitor Mercantil. Autor de três DVDs com video-aulas sobre segurança abordando segurança de dignitários, ocorrências envolvendo artefatos explosivos e espionagem e contra-espionagem no meio empresarial, produzidos e distribuídos pelo Jornal da Segurança para todo o Brasil.

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