Opinião do Especialista

O estresse policial (Milton Corrêa)

Publicado por Milton Corrêa

O lamentável episódio que resultou na morte de uma turista espanhola, na localidade da Rocinha, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, na manhã de 23 de outubro, em razão de um tiro disparado por um policial militar, durante uma abordagem de veículo, traz importantes reflexões sobre a natureza da função policial.

É obvio que a ação policial prudente e desejável é o uso moderado, proporcional e oportuno da força, ensinam os manuais e notas operacionais sobre abordagem policial e a própria Lei Federal 13060 que trata do tema. No entanto, há que se considerar que a análise pós-fato difere do contexto do momento ardente da intervenção, observado o grau de violência da guerra urbana que vivenciamos, numa área conflagrada como a Rocinha, onde o componente emocional sempre existirá na atuação do policial.

A natureza da função policial pode produzir no homem diferentes sinais e sintomas patológicos. Refiro-me ao desgaste físico e mental onde o agente da lei convive com situações altamente estressantes, cobranças diárias, numa ambiência social convulsiva. Há que se considerar que a quantidade de violência criminal hoje é infinitamente superior à de antigamente, possuindo, a criminalidade violenta, características de abrangência e ousadia jamais vistas. Somente este ano 110 policiais militares já foram mortos no Estado. Números de guerra.

Como resultado da difícil e complexa função policial e do contexto de atuação, surgem no agente da lei as mais diversas reações orgânicas, algumas dando origem a patologias crônicas. As reações mais comuns são: sensação aumentada de perigo/vulnerabilidade; medo e ansiedade em relação a confrontos futuros; raiva/revolta; pesadelos; depressão; insensibilidade emocional; tudo isso trazendo possíveis comportamentos diversificados durante as ações de linha de frente, sem falar na carência de fatores materiais, como salário incompatível e as próprias condições de trabalho.

Por outro lado, temos que discutir também a questão do uso de película não refletiva nos vidros dos carros que não protege ninguém, facilita o deslocamento de ‘bondes’ do crime em vias públicas e é fator altamente adverso para a abordagem policial.

Por enquanto a guerra do Rio prossegue e qualquer um pode ser a próxima vítima, a qualquer hora, em qualquer lugar. A reversão do quadro de grave comprometimento da ordem pública é complexa missão das forças de segurança. A pergunta final é: até quando vítimas inocentes sofrerão os efeitos da guerra sem fim e policiais encerrarão sua carreiras na difícil missão de defesa da sociedade?

Sobre o autor

Milton Corrêa

Milton Corrêa da Costa:
Tenente coronel reformado da PM do Rio de Janeiro
Ex-aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ).
Ex-chefe da assessoria técnica e parlamentar da Secretaria de Segurança Pública (1996 a 1998)
Primeiro lugar no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da PMERJ (1986)
Primeiro lugar no Curso Superior de Polícia Militar da PMERJ (1994)
Ex- Instrutor da Escola de Formação de Oficias da PMERJ (1987 a 1992)

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