As UPPs, como exemplo de política de segurança pública foram algo extremamente benéfico para a sociedade e – pelo menos num primeiro momento – foram aprovadas inclusive pelos moradores das antigas áreas dominadas pelo tráfico. Contudo esse projeto representou um enorme e inestimável bônus político, que concorreu diretamente para a reeleição do governo estadual no Rio de Janeiro, bem como para que o governador reeleito pudesse eleger seu sucessor. A idéia de retomada dos territórios do tráfico era tão boa que a própria presidente eleita, enquanto ainda candidata, disse que a sua política de segurança pública seria a de “espalhar UPPs pelo país”!
Uma vez que a idéia dá votos, não podemos negar que o clamor do eleitorado por por mais ocupações fez com que um cronograma cauteloso e paulatino inicialmente pensado, fosse acelerado de forma que – visivelmente – assumiu-se mais compromissos de ocupação do que o quantitativo de policiais permitia. O eleitorado, que não conhece a logística do processo de implantação do policiamento “pacificador” nas áreas conflagradas cobrou “ocupações para ontem” e a polícia (sobretudo a PM) as veio implementando como pode, independentemente de não contar com efetivos suficientes para provir o seu recompletamento normal e para aplicá-los ao novo modelo de policiamento.
Há muito que tínhamos quantitativo insuficiente de efetivos em diversos batalhões, os quais são responsáveis pelo patrulhamento em áreas igualmente importantes da capital e interior. No Rio de Janeiro, a dura realidade é que a Polícia Militar, que vem pondo em prática um enorme esforço para formação de novos policiais, tem um déficit de pessoal e precisa de mais tempo para recrutar, selecionar e bem treinar seus efetivos. No mundo real não se pode adotar soluções mágicas como lançar mão de um Exército de Clones como o da saga de filmes sci-fi Guerra nas Estrelas.
E vale lembrar que nós, brasileiros infelizmente não gostamos de aguardar por resultados demorados e sempre, historicamente, preferimos nos render àquelas notícias de impacto, tipo factóide, autênticos estelionatos intelectuais do tipo dos que anunciavam que iriam vencer a guerra contra o crime com o fuzil novo, com o carro blindado de transporte de valores modificado, com um único dirigível supostamente super-equipado ou mesmo com a aquisição de um “helicóptero blindado” que há alguns anos rendeu matéria de página inteira num exemplar de domingo num jornal de grande circulação, e que sabemos bem como acabou, em outubro de 2009.
No âmbito de suas plataformas eleitorais, nossas autoridades públicas “venderam” para a população uma pacificação sem conflitos, sem mortes, asséptica, sem danos colaterais, como se aqueles que passaram a vida toda vivendo do crime fossem se contentar em perder a boquinha, por as armas no chão e aderir a uma vida honesta, mas cheia de limitações e sacrifícios. Era o próprio “omelete sem quebrar ovos”…
Mas qualquer um que acompanhasse mais atentamente as ações do crime sabia que isso era irrealizável do jeito que se estava projetando o processo de pacificação. Para dar certo, do jeito que se propunha, só se, a exemplo do velho dito futebolístico do Garrincha, nós combinássemos tudo com os adversários.
Depois de um prudente recuo inicial o tráfico voltou à carga nos locais ocupados pela polícia, com armas de fogo de tipo restrito e até artefatos explosivos. Desencadeando ações violentas e ousadas, centenas de policiais já foram mortos, sendo que muitos morreram em serviço, enquanto trabalhavam em áreas “pacificadas”. As UPPs, outrora trunfo do governo, agora vem despontando como um ponto fraco!
Ninguém, são e sensato, pode se arrogar possuir uma solução simples ou mágica para evitar que tragédias como essa aconteçam. A morte de um policial, bem como de inocentes é algo para se lamentar profundamente; contudo a grande verdade é que sempre soubemos que isso poderia acontecer e irresponsavelmente não nos acautelamos contra essa possibilidade. A solução para evitar, só Deus tem; mas, honestamente, gestores profissionais de segurança e os comandantes da tropa policial no terreno já deveriam ter implementado um conjunto de medidas para aliviar a pressão sobre os policiais que atuam naquelas áreas, premidos por criminosos que intuitivamente vem operando num modo guerrilheiro contra as forças de segurança.
É triste que, quer pela pressão dos políticos, quer pela nossa própria turronice ou mesmo pela incompetência, nós estamos sendo alvo de ações ousadas onde o crime força a barra para voltar a impor-se como “O” poder tanto nas áreas pacificadas quanto no seu entorno, no asfalto…e continuamos mantendo táticas convencionais, que em nada vem ao encontro dos mais elevados interesses da segurança dos cidadãos.
Infelizmente parece-me que não conseguimos aprender com nossos próprios erros e nossos próprios cadáveres?
A prática política brasileira no que tange à segurança parece pressupor admitir que as coisas estão sempre sob controle, mesmo quando é visível que não estão. Será que é tão importante fingir que as coisas não vão mal?
Mesmo com toda a pressão de uma mídia que, por vezes, se nutre do sensacionalismo, para a sociedade é menos importante o que os bandidos estão fazendo de criminoso, mas é essencial avaliar se as táticas do Estado para contê-los estão ou não sendo efetivas!
Esses bandidos precisam ser levados pra defensiva com medidas “de efeito”, com táticas as quais, paradoxalmente, não precisam de publicidade e de serem minuciosamente expostas nos programas de TV. Eles, os bandidos, precisam sentir que a maré mudou.
O quantitativo de policiais é francamente insuficiente para a quantidade de ocupações que foram levadas á cabo, e esse cobertor curto impede uma presença policial “em força”, durante todo o tempo, como seria desejável. Se o torniquete policial é frouxo, o sangue espirra por onde não há a necessária pressão. Se o efetivo é insuficiente temos de contrabalançar isso com táticas inovadoras e que surpreendam o adversário.
Essas ações do crime precisam ser tratadas com táticas contra-insurrecionais e não com doutrina de policiamento convencional, do tipo que se limita a manter guardas posicionados em viaturas fixos em esquinas.
A aplicação prática das UPP jamais deveria pressupor que aqueles que se decidiram por ganhar sua vida de forma ilegal e violenta fossem aceitar se submeter ao prejuízo, sem reação!
Pagamos hoje por opções táticas que certamente não foram muito adequadas e talvez por isso, hoje, em certas questões de inteligência e operações psicológicas nós estamos muitos passos atrás desses criminosos e de seus “aliados” nas associações de moradores e ONGs. E sinceramente, não era pra isso, pois esses sujeitos não são tão bons quanto pensam que são ou sequer tão perigosos quanto poderiam ser. Se alguém duvida, compare o modus-operandi do nosso tráfico com o dos seus congêneres colombianos? Graças a Deus,os daqui ainda tem muito o que aprender!
Engraçado que, quando se abordava em retomada das áreas do crime, sempre se citou a experiência colombiana, reportando seus excelentes resultados; mas ninguém aventou, de verdade, usar as táticas que permitiram aos colombianos chegar onde chegaram. Lá o combate e as ações repressivas eram e são “à vera”; enquanto aqui, eu tenho minhas dúvidas disso!
Ainda lembro que quando escrevia sobre essa questão do acumpliciamento das ONGs recebemos a notícia de que um ex-traficante de drogas, que após cumprir sua pena foi contratado para trabalhar na ONG Afro Reggae (o “Tuchinha”, do morro da Mangueira), foi assassinado quando lavava seu austero Land Rover Discovery 2009. Será que ele, que depois da prisão ainda mantinha o gosto pelas jóias e cordões de ouro, teria deixado as atividades ilícitas de lado e estaria vivendo apenas do seu salário de menos de três mil reais? Eu não imagino se vamos conseguir pacificar realmente essas áreas conflagradas pelo crime, enquanto convivermos com uma sociedade que torna o tráfico rentável com sua dependência das drogas e que acredita na boa vontade de organizações não governamentais cujas contas não resistiriam a auditagem numa C.P.I. independente e séria. Na Rocinha, o Nextel do tráfico era pago com o dinheiro de uma ONG (que se notabilizou por defender o desarmamento dos cidadãos de bem) pelo mesmo líder comunitário que, tempos depois, foi preso ao tentar vender para o chefe do tráfico uma rara versão do fuzil russo Kalashnikov, jamais encontrada anteriormente no Brasil…
Desde as ações da tomada dos morros pelas ações conjuntas de militares e policiais já devíamos tratar o contencioso com a criminalidade não como uma ação repressiva de policiamento ordinário, mas como uma contra-insurreição, onde os grupos de traficantes bem armados agem clandestinamente e são a guerrilha inimiga, se escondem nos morros, se escudam e oprimem os cidadãos…
Se o melhor que conseguimos realizar é colocar os policiais novos ocupando posições vulneráveis nas ruas estreitas e mal iluminadas, em veículos não-blindados e containers, será melhor que nos acostumemos, pois ainda teremos de prantear mais jovens, muitos dos quais idealistas e vocacionados para a atuação policial, assassinados num enfrentamento no qual já entram com pouquíssimas chances de vencer. Se adotamos táticas erradas, muitos mais civis perecerão. Enquanto continuarmos tratando esses casos como problemas do policiamento tradicional nós devemos estar preparados para continuarmos chorando e enterrando inocentes. Podemos fazer melhor, mas precisamos ter coragem, moral e política, pra tocar aquilo que deve ser feito!