Quando há cerca de vinte seis anos eu dava os meus primeiros passos na atividade de segurança pessoal um experiente instrutor repetia que devamos nos acostumar a esperar pelo inesperado. Para o garoto de vinte anos de idade com uma nada discreta pretensão a imitar o Rambo, tal máxima remetia a necessidade de manter os sentidos alerta, identificar a ameaça o mais rapidamente que possível, sacar e saturar o alvo com tiros; porém nosso sábio Mestre na época buscava muito mais do que “pistoleiros” com dedos nervosos. Ele buscava infundir em nós a idéia de que deveríamos nos preparar para toda uma gama de emergências e situações adversas que claramente poderiam no acometer no curso do exercício de nossas funções. Repetia ele que “Segurança é Prevenção”, mas que, se não conseguíssemos por toda sorte impedir as ocorrências adversas, deveríamos saber como proceder em face delas e que essa atuação nas instâncias iniciais concorreria diretamente para o sucesso ou o fracasso da segurança. Embora a humildade ainda hoje não seja uma característica muito própria dos jovens profissionais de segurança em início de carreira, no auge de seu vigor físico; a vantagem é que, com o tempo, nos tornamos muitíssimo mais experientes, cautelosos e percebemos o quanto é importante “fazer os deveres de casa” com astúcia.
Quando pensamos nos grandes eventos que proximamente acontecerão no Brasil, a maioria dos quais serão sediados nos Rio de Janeiro, não podemos deixar de pensar naqueles homens e mulheres em cujas mãos a segurança desses eventos estará. Muito se está gastando na aquisição de equipamentos, na adoção de novas tecnologias de comando, controle, comunicações e inteligência, no gerenciamento de informações, na aquisição de armamento; contudo o treinamento dos profissionais que serão empregados nas missões continua sendo um grande “calcanhar de Aquiles” no âmbito da segurança que se espera proporcionar. Não se trata de treinar os comandantes, os técnicos, ou mesmo os operadores dos dispendiosos equipamentos, mas de capacitar aqueles que vão receber as ordens e atuar diuturna e ostensivamente no policiamento e na segurança de instalações. Quando criticamos o treinamento de nossos profissionais quer na segurança pública quanto privada – quase sempre mais rápido, improvisado e superficial do que deveria – é comum a contraposição de argumentos que ressaltam a extrema competência de nossas forças policiais de elite ou equipes de segurança privada (por vezes oriundas de seguranças orgânicas) as quais apresentam um elevado padrão de qualificação, treinamento e estão dotadas de recursos materiais que permitem compará-las às melhores congêneres do exterior. Não seria eu quem iria buscar macular a excelência de um Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, denegrir os batalhões de operações especiais das diversas polícias militares ou ainda os grupos especiais das diferentes polícias civis do Brasil afora. Nas situações de crise, sobretudo em ações de contra-terrorismo, eles ainda teriam a auxílio dos grupamentos de operações especiais das nossas Forças Armadas, cuja competência dos integrantes também nada fica dever à das unidades semelhantes de outros países.
A grande questão é que esses profissionais muitíssimo bem selecionados, altamente motivados, qualificados, bem equipados e com remuneração acima da média não estão onipresentes em todos os locais, atuando ostensivamente. A maioria dos problemas, das ameaças e ocorrências criminosas ou de terrorismo é inicialmente enfrentada pelo profissional comum, guarda de trânsito, pelo policial que ronda o quarteirão, o guarda municipal, policiais em ronda na viatura comum ou pelo vigilante privado. São estes profissionais que normalmente tomam pé do que está acontecendo e que ensejam as primeiras providências (ou “respostas”) que o fato requer; eles são os first responders. Na maioria das vezes, são heróis anônimos, pessoas comuns, que não são tratadas de forma glamurosa, cuja atuação, individual ou em pequenos grupos, quase nunca figura nos livros de história ou nos filmes de ação, mas que podem bem significar a diferença entre vitória e derrota ou sucesso e fracasso. Em boa parte dos incidentes criminosos ou de terrorismo, se os procedimentos de resposta forem adotados de forma correta, há sempre a possibilidade de que se consiga neutralizar a ameaça ou minimizar seus danos de forma mais rápida e muitíssimo menos dispendiosa.
Ainda que desempenhando uma importante tarefa, no Brasil tais first responders são os profissionais desprestigiados, a quem falta bom treinamento e que na maioria das vezes agem por instinto e improvisadamente. Na grande maioria das vezes, esses profissionais não tem a consciência da importância de sua missão e daquilo que devem fazer em face de cada tipo de ocorrência nas quais podem precisar atuar. Como fazer em face de uma ocorrência de roubo em que os criminosos premidos pela necessidade de garantir sua fuga, façam reféns? O que fazer sozinho no caso de presenciar a ação de um grupo de criminosos fortemente armado? Quando se deve atirar? Como se deve atirar? O que fazer em face de um objeto que se suspeite tratar-se de uma bomba? Como fazer para tentar detectar intenções suspeitas antes do criminoso ou terrorista perpetrar seu intento? Embora em qualquer planejamento de segurança seja importantíssimo que cada homem conheça muito bem o papel que lhe cabe desempenhar, nós sabemos o quanto algumas viciosas práticas brasileiras contrariam a boa norma. Nós brasileiros nos habituamos a acreditar que o pior nunca irá nos acometer e que mesmo em face dos problemas mais cabeludos, sempre poderemos resolver tudo com um bom jeitinho. Eu próprio já perdi a conta das vezes em que ouvi de profissionais “cascudos” coisa como: “não esquenta, pois na hora a gente vê como é que faz”!
Recentemente, uma tomada de reféns em face de uma ocorrência de assalto frustrada paralisou uma das principais avenidas do centro do Rio de Janeiro e faltou aos policiais comuns, que atenderam a ocorrência, o conhecimento de que sua atuação deveria se resumir à contenção e ao cerco. As dezenas de tiros disparados pelos policiais destreinados (que inclusive atingiram um passageiro) puseram muito mais cidadãos em risco do que a própria ação dos criminosos. A ocorrência, que imobilizou o tráfego de ônibus e carros em pleno horário do rush vespertino, só foi contornada com a chegada do BOPE.
Se temos dificuldade de gerenciar uma ocorrência de tomada de reféns com bandidos pés-de-chinelo com armas curtas e uma granada, imagine se estivéssemos diante de um grupo de terroristas treinado e bem equipado, disposto a sacrificar a própria vida?
Quem assistiu as cenas mostradas pela TV teve a certeza de que os homens precisam saber o quê fazer, quando fazer e sobretudo aprender a coordenar-se no terreno. Quem fica frente à frente com os agressores? Quem se posicionará de forma a guarnecer o perímetro, impedir uma eventual fuga ou ainda detectar suspeitos (ou cúmplices) na multidão que sempre se forma em face dessas situações?
Ensinar técnicas de contra-vigilância e análise da linguagem corporal para os policiais, guardas municipais e vigilantes pode lhes permitir detectar uma situação potencial de perigo muito antes dela se materializar e a segurança só tende a lucrar com isso. Identificando um terrorista ou criminoso antes dele agir, o profissional terá um melhor controle situacional da ocorrência e, após reportar o que viu, pode escolher qual o curso de ação será mais adequado. Devemos dar aos nossos profissionais a opção de se deverão apenas observar o que lhes parecer suspeito, partir para uma abordagem ou mesmo, em caso extremo, disparar sua arma com maiores chances de sucesso do que teria se a surpresa estivesse favorecendo ao outro lado. Profissionais melhor treinados podem até não resolver as emergências que surgirão, mas, por certo, estarão em condições de melhor auxiliar as Unidades Especiais a fazê-lo. É fato que “a força da corrente de proteção se afere pela capacidade do seu elo mais fraco”; logo, eles podem não “ganhar a guerra”, mas, quando deixam de fazer aquela que seria a sua parte, podem estar irremediavelmente comprometendo o sucesso do trabalho dos grupos como o BOPE, o COT, o GATE, o GOE e a CORE.
Uma melhoria no treinamento dos quadros mais básicos da segurança pública e privada, de forma a melhor capacita-los como first responders, é algo que dificilmente redundará em publicidade fácil, mas pode fazer a diferença diante das ocorrências que podem advir nesses dias de Olimpíadas.