Quem assistiu a filmes como a Batalha da Grã-Bretanha vai se lembrar da ampla sala do comando da defesa aérea onde, num enorme mapa horizontal das ilhas britânicas, Canal da Mancha e norte da França, militares com pequenos rodos de madeira posicionavam marcadores que representavam unidades aéreas alemães e as unidades britânicas empenhadas em interceptá-las. Daquele compartimento, com ampla rede de comuni-cações que o conectava com as centrais de radar, posições de observadores, de artilharia anti-aérea e os campos de aviação, o comandante da defesa britânica podia visualizar os movimentos do inimigo, avaliar suas forças disponíveis e decidir sobre a alocação desses recursos para dar combate às unidades aéreas dos alemães.
Findo o conflito mundial, já nos idos da Guerra Fria uma imagem comum na mídia e nos filmes (vide Dr. Fan-tástico, de Stanley Kubrick, Limite de Segurança, de Sidney Lumet, ou Jogos de Guerra de John Badham, com o então jovem ator Matthew Broderick) eram os centros de comando e controle (do inglês, command and control ou C2) norte americanos, com suas enormes telas iluminadas que permitiam uma perfeita visualização de todas as forças militares amigas e das forças soviéticas. Um desses centros, do Comando de Defesa Aérea Americano, de tão importante, foi construído como um enorme cofre de aço, no interior escavado de uma montanha sólida, projetado para resistir e continuar operando mesmo em face da detonação de armas atômicas soviéticas. Todo esse processo e instalações buscam otimizar o exercício da direção, do controle e da coordenação das numerosas forças militares em operação, possibilitando o acompanhamento em tempo real das ações em curso. Esse conceito de gestão, que mesmo com claras aplicações no meio civil é nor-malmente empregado na esfera militar evoluiu posteriormente para evoluiu para: C3 (Comando, Controle, Comunicações ), C3I (Comando, Controle, Comunicações e Inteligência) e C4I (Comando, Controle, Comuni-cações e Inteligência e Computador) e posteriormente para C4ISTAR (Command, Control, Communications, Computer, Intelligence, Surveillance, Target Acquisition, Reconnaissance) no Reino Unido ou C4ISTR nos Estados Unidos da América, agregando os termos vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento.
Finalmente consegui assistir ao documentário da National Geographic sobre a operação que culminou na morte do terrorista Osama Bin Laden e algo que particularmente me impressionou foi justamente a aplicação da tecnologia como um enorme facilitador para o comando dessas ações especiais. O Almirante William H. Mc Raven, do Comando Conjunto de Operações Especiais das Forças Armadas do Estados Unidos, respon-sável pela operação, em Bagran no Afeganistão, pode acompanhar, em tempo real, a evolução dos commandos da Marinha, a partir das imagens tomadas de 4500m de altitude, por uma aeronave não tripulada de características furtivas que foi mantida sobrevoando o esconderijo do terrorista no interior do Paquistão. Essa monitoração, certamente transmitida pelos melhores links criptografados de satélite que o dinheiro pode com-prar, chegou até Washington, onde pode ser assistida pelo Presidente Obama, pelo Vice-Presidente Joe Bi-den, pela Secretária de Estado Hillary Clinton e todo um staff de alto nível das áreas de defesa e segurança nacional. A Operação Lança de Netuno, que terminou com a morte do terrorista mais procurado do mundo é um exemplo de como a realidade pode imitar e até suplantar a ficção; eu bem me lembro que no livro de Tom Clancy de 1987, Jogos Patrióticos, o protagonista do história tinha a oportunidade de assistir, de Washington, a monitoração noturna de uma ação de ataque das forças especiais francesas contra um campo de treina-mento de terroristas no norte da África…
Se a tecnologia realmente faz uma enorme diferença para qualquer comandante no campo de batalha, no âmbito da manutenção da lei e da ordem, os desafios para garantir a tranqüilidade da população frente a uma enorme quantidade de ameaças e delitos fez com que se buscasse verter tais conceitos e seu equipamento correlato às necessidades dos gestores da segurança pública. No Brasil, a aplicação da idéia de centrais de operações integradas de caráter permanente tomou grande impulso com os Jogos Panamericanos de 2007, com os Jogos Mundiais Militares (2011) e certamente estarão amplamente disseminadas até a ocorrência da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Atualmente, diversas empresas de renome internacional vem oferecendo aos estados brasileiros suas soluções tecnológicas customizadas, caracterizadas pela integração de um grande número de meios de coleta, processamento, organização e interpretação de dados relevantes de interesse, os quais, monitorados em tempo real, vão auxiliar no planejamento, na execução e no controle de um amplo leque de ações, tanto de segurança quanto de emergências, trânsito e defesa civil. Pré-condição para sediar grandes eventos, a cidade do Rio de Janeiro inaugurou em 2010, um dos centros de controle operacional mais modernos do mundo, que opera 24h/dia interconectando dados de vários sistemas do poder público para visualização, monitoramento, análise e atuação em tempo real.
No prédio do Centro de Operações Rio, onde trabalham mais de 400 pessoas, 300 computadores transmitem e geram informação sobre todo o funcionamento da metrópole de 6 milhões de habitantes. Da Sala de Controle, coração do projeto, mais de 70 controladores de órgãos municipais e empresas de serviços públicos monitoram a cidade em tempo integral a partir do maior telão da América Latina, com 80 metros quadrados. Esse telão capaz de reproduzir qualquer matriz, é composto por 80 monitores de 46 polegadas que mostram os pontos de crise através de marcações identificadas pelas cores verde, amarelo e vermelho, conforme o grau de risco, em mapas feitos por meio de ferramenta de georeferenciamento da Google. Em alta resolução, o videowall também exibe imagens captadas por cerca de 300 câmeras, muitas das quais móveis e dotadas de zoom, cabeadas diretamente na rede do prédio. O sistema, desenvolvido todo em parceria com a IBM, opera a partir da sala-cofre da empresa municipal de informática (Iplan Rio) e ainda acompanha e agrega informações de transporte, trânsito, meteorologia, índice pluviométrico, localização de escolas e hospitais e ocorrências que podem impactar na rotina do cidadão. Todas as informações são apresentadas em um mapa inteligente capaz de reunir 47 camadas de dados. Diversos órgãos são representados permanentemente no cen-tro de operações como Guarda Municipal, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Defesa Civil, empresa municipal de informática, a companhia de águas pluviais, a companhia de controle de tráfego, o instituto de metereologia, o instituto de geotécnica municipal, Secretaria de Ordem Pública, Secretaria de Conservação, empresa de limpeza urbana, empresa de iluminação urbana, Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social, Riotur, além das concessionárias de serviços públicos como a companhia estadual de gás, companhia de fornecimento de água, companhia de fornecimento de luz, companhia de metrô, compa-nhia estadual de trens urbanos, ponte Rio – Niterói, Linha Amarela e Sindicato das Empresas de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro. O Centro de Operações Rio também conta com uma uma assessoria de comunica-ção própria e sala de imprensa que fornece a estrutura necessária aos profissionais de mída que cobrem os eventos da cidade. Este é o primeiro Centro de Operações do planeta, na linha mundial de Cidades Inteligentes, que irá integrar todas as etapas de um gerenciamento de crise: desde a antecipação, mitigação e preparação, até a resposta imediata aos eventos e realimentação do sistema com novas informações que podem ser usadas em futuros casos. No prédio há salas de reunião para conferências com o secretários, alojamentos e até um gabinete onde o Prefeito pode eventualmente pernoitar em situações de crise. O centro de operações da prefeitura carioca encontra-se hoje em plena operação e a ele deverá juntar-se o novo Centro de Comando e Controle Integrado (CCCI) do Estado do Rio de Janeiro, uma iniciativa da Secretaria de Segurança Pública ainda em fase de construção. O CCCI foi idealizado para atender, no âmbito fluminense, as mesmas demandas já atendidas pelo Centro de Operações da prefeitura do Rio de Janeiro. Nos diferentes estados brasileiros encontramos diversos outros centros de controle operacional, normalmente voltados para as atividades de segurança pública, os quais apresentam muitas soluções tecnológicas interessantes para seus problemas de Comando, Controle, Vigilância e Inteligência.
A essa altura alguém já deve estar se indagando acerca de qual correlação eu posso estar pretendendo fazer entre a tecnologia por trás da operação que culminou com espetacular eliminação do terrorista saudita no Paquistão e a adoção desses novos e sofisticados recursos em nosso país? A verdade é que, embora muitíssimo importante para o comando da operação, a melhor tecnologia C4ISTAR não seria capaz de substituir o talento e o senso de improvisação, adaptação e superação de dificuldades dos militares da Marinha integrantes do Seal 6 ou do piloto do esquadrão Night Stalkers, que conduzia o helicóptero que caiu. Se o piloto não fosse um dos mais habilidosos no âmbito daquela unidade aeromóvel de elite, talvez todos os soldados a bordo tivessem perecido na queda. Embora houvessem treinado exaustivamente o assalto a fortaleza do terrorista, os grupos dos dois helicópteros Blackhawk acabaram desembarcando em lugares diferentes do determinado, tiveram a surpresa comprometida pelo ruído da queda da aeronave e ainda assim lograram conduzir a missão a contento. A verdade é que por mais que treinemos, os combates reais sempre insistem em fugir aos parâmetros; não raramente as coisas assumem feições de um caos total e é nessas horas que a qualificação, o condicionamento e a disciplina dos efetivos envolvidos fala mais alto, e quem comete menos erros vence.
Na arte militar ou na segurança, faz-se necessário conjugar os benefícios dos recursos tecnológicos com o emprego de P-R-O-F-I-S-S-I-O-N-A-I-S na melhor acepção do termo. E não me refiro aos integrantes das “forças especiais”; mas sim os militares das tropas convencionais, policiais, guardas municipais ou vigilantes privados que, esperamos, devem efetivamente cumprir seus afazeres, com empenho e atenção. É na crença que o pior não lhes vai acometer justamente naquele momento, que atentados terroristas acontecem com sucesso ou que policiais perdem suas armas ou são mortos traiçoeiramente por criminosos sempre dispostos a aproveitar esses momentos de distração em serviço.
No Brasil, no contexto de valorização da tecnologia, teimamos em esquecer que nenhum dos recursos materiais funciona independentemente daqueles agentes da autoridade do Estado cujo trabalho eles objetivam apoiar. Há mesmo a contradição de empregar na ope-ração de equipamentos caríssimos, profissionais os quais, na maioria das vezes recebem de salário uma ínfima parcela do custo do dispendioso material que lhe foi posto nas mãos. A desproporção entre o que gastamos na compra de equipamentos e o que se gasta no treinamento dos profissionais que vão operá-los é muito grande. Às vezes, em função das exigências de sofisticação de um equipamento, até investimos na qualificação do seu operador, mas ainda deixamos bastante a desejar quanto ao treinamento daquele homem que atua lá “na ponta da linha”. Contrariando os conselhos de Sun-Tzu, a maioria dos brasileiros, inconfessável e intimamente, ainda crê que jamais seremos alvo de atentados, que vivemos num país pacífico, sem inimigos, sem histórico de terrorismo e que isso nos permitiria alocar o dinheiro a ser gasto no treinamento e em prevenção numa série de “outras prioridades”. Uma vez que nós treinamos nossos homens menos do que deveríamos, acabamos deixando muito de seu adestramento ao sabor das iniciativas individuais ou então permitindo que assimilem os ensinamentos viciados de profissionais mais antigos, os quais resistem “ao novo” por ego, comodismo ou mesmo para encobrir alguma desonestidade. Com isso praticamos uma perigosa roleta russa que sempre poderá nos vitimar sem aviso; infelizmente é muito comum que assistamos autorida-des falando da aplicação de modernos conceitos de Gestão e de Qualidade, mas que saibamos que ainda praticamos bem menos do que o minimamente desejável “feijão com arroz”.
Não deveríamos nos deixar iludir apenas pela sofisticação de certos recursos. Ao final da II Guerra Mundial, Hitler, no seu Quartel-General em Berlim, utilizava suas ferramentas de comando e controle para movimentar unidades militares que só existiam no papel. O que restava de suas tropas, outrora poderosas, jazia desbara-tada, incompleta, desmotivada e não mais estava à altura de se desincumbir da defesa da Alemanha. Nós ainda temos o material humano, contudo nossa situação não é nada confortável. De que adiantam os recursos mais sofisticados de C4I, se, em caso de crise, teremos de nos valer de profissionais cuja atuação vai deixar patente uma formação deficiente, uma baixa motivação ou um treinamento inadequado? De pouco importa o quão sofisticados e dispendiosos sejam os equipamentos ou recursos eletrônicos de proteção; não importa quão cara e sofisticada seja a rede de comando, controle, comunicações e inteligência; não adianta a mais dispendiosa tecnologia, se os agentes operacionais não estiverem capacitados e motivados para executar o seu trabalho. Estarão à altura os nossos profissionais? E se não estiverem, de quem é a responsabilidade?
Não houvesse o suporte de um bom e realístico planejamento e não fossem os profissionais envolvidos bem treinados como são, o melhor que Almirante Mc Raven, o General David Petraeaus e o Presidente Obama poderiam fazer, seria assistir “de camarote”, em tempo real, a repetição de retumbantes infortúnios como o resgate em Son Tay (em novembro de 1970) ou a fatídica Operação Garra de Águia (em abril de 1980), que pretendia resgatar reféns americanos no Irã.
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